Nevetsky, ele próprio

Cheguei e o ambiente estava à meia-luz. Na rua, o frio afugentava a todos. As pessoas curvavam-se enregeladas. Mas ali dentro, naquele pequeno bar, estava agradável. Almofadas de diversas cores espalhavam-se pelo chão. Ele de certeza que não estaria ali sentado. Nevetsky ocupava uma das mesas. As velas iluminavam os tampos vermelhos.

Um segundo antes de eu apresentar-me, ele foi direto ao assunto. Olá Paul. Sei o que quer de mim. Quer uma história! Não sei se tenho alguma para lhe oferecer. Morri há muito tempo. As histórias da minha passagem por esta terra estão enterradas no cemitério. Ou melhor, não sei se estão, porque estou aqui… É difícil morrer, na verdade. Não porque não seja fácil eu morrer… Já morri algumas vezes… Talvez vezes demais… O problema é que é difícil matar esta história, ou estas histórias de ressurreição. De maneira que nem sei bem se estou morto ou vivo.

Paul ficou estupefacto. Era mesmo Nevetsky, o velho morto-vivo. Um morto-vivo bonito, diga-se. Nada daqueles zombies dos filmes e da televisão.

Ele continuou: Sei o que está a pensar. Olho para o seu nariz, a maneira como ele está a tremelicar, e leio os seus pensamentos. Sim, não sou um daqueles seres apodrecidos. Não somos assim. Não sou assim. Sente-se e beba algo. Não beba é aquela bebida vermelha ali. No passado, eu deixava as pessoas beberem. Depois comecei a ficar com pena. Não levavam a bem transformarem-se em seres cheios de sabedoria, como eu. Quer falar do quê propriamente? Isso é que me está a ultrapassar. O que pode querer de mim?

O quanto eu gostava de filmar aquele momento! O velho e lendário Nevetsky à minha frente, naquele bar. Ele, que o tempo cismava em conservar, achava que não tinha nada para contar!

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